terça-feira, 15 de julho de 2014

Fim: Galo!

O entendimento é a luz da tolerância, e ela vem sempre. A Senhora de Fátima, ao cair da noite enluarada, agiu não só como a governanta do lar, mas também como a voz da razão. Sabia que o golpe ferira profundo o marido. Precisaria de muito tato para fazer as mudanças ocorrerem. A herança maldita, dos animais em busca de novas luzes é constante e não há ser no mundo mais apropriado a civilizar-se do que o único capaz de amadurecer como as abelhas. Já na ponta da estrela o sentimento nobre, que visa o bem comum e tem na sensibilidade o trato com os demais, mas infelizmente na outra ponta há seres ainda capazes de, agirem exatamente como irracionais, mas as luzes estão lá dentro, prontas a brilharem rompendo as camadas frias. Sentados lado a lado, aspiravam a fragrância que elevou a condição de amor a união estabelecida num acordo intimo e sincero.
-Meu marido, saímos da era do sangue. Sei que muitos fazem o que fazem, mas precisamos nos orientar na palavra divina. Foi um tiro sem propósito? Uma covardia além do nosso entendimento? Sim, mas a vida recomeça, e o menino que virou home não pode sujar as mãos. Conheço seu passado, assim como o Senhor conhece o meu. Fugimos em busca de abrigo, e o sol sempre responde as minhas orações. Conheço seu olhar desde que as minhas lágrimas se lançaram da minha alma em busca sua sábia comiseração.
O velho, que nos últimos dias andava com os olhos vermelhos, colocou-se branco por alguns minutos.
-Esposa delicada, muito sábia. Os meus passos são em busca da justiça, e não conheço na redondeza quem possa fazê-la. Se você não entende as misérias humanas e infelizmente são cheias de sangue, é por que a sua índole inocente não faz ver que a aqui se faz e aqui se paga.
A razão entrou em conflito?
-Não Senhor. Não será pelas mãos do pai que doou tanto amor a uma família estruturada num futuro extremamente promissor. Veja só que rapaz a nossa filha conheceu. É hora de fazer a luz brilhar.
-Veremos. Anuiu o Senhor.
Passados alguns dias o menino-homem-guerreiro, herói da minha fábula, passou a trabalhar como o braço direito do dono da fazenda, palco da minha humilde e preciosa história, que conta como verdade o preceptor da família V, como relatado no inicio deste trabalho que vai terminando. Tentei ser fiel ao caderno de notas que foi passado as minhas mãos por um pessoa que prefiro deixar anônima. Tudo acaba no dia da folia de reis, quando toda a fazenda celebrava a festa de Santo Antônio. Ives, que marcou todos as pegadas do feitor, sabia que passaria no pico distante na hora combinada com o velho. De tocai e seguro do que faria, a foice em suas mãos não tremeluzia, nem sua respiração ofegava.  De cabeça baixa, encerrado em seus devaneios herméticos, o feitor contornava a cursa da estrada sinuosa. O velho, saindo da moita adjacente, interpelou o malfeitor:
-Esta sem armas, covarde, mas lhe darei a chance de olhar seu algoz.

Ives saiu da outra moita e colocou-se exatamente de frente ao feitor que passou a tremer como tremem os covardes. Esse se ajoelhou e pediu clemência.
-Fique frio e coloque-se a rezar.
Ives atirou longe a foice e de um bornal tirou algo reluzente. O feitor ficou estarrecido com a visão. Era simplesmente o projétil que fora tirado do corpo do guerreiro.
-Olhe bem. Olhe o sol, a luz, a canção vinda daquele riachinho, foram seus únicos companheiros em vida. Mas fique tranquilo, sua história acaba aqui, a minha continuará ao lado da felicidade. Só queria que você visse nos meus olhos a seiva do perdão que o amor me deu. Não tenho ódio, nem rancor, e não mancharei a minha família com mais sangue.
 Alguém tem que ser a luz.
O feitor chorou e despediu-se com o semblante aparentemente arrependido. Maria saiu sorrindo na terceira moita que estava escondida. Queria sentir se realmente o namorado sentia-se aliviado. E sim, da mesma forma a sua luz esverdeava-se. Os três se entreolharam e perceberam no caminho as aves e águas cristalinas exaltando a ação nobre dos que, apesar de não entendem o sentido de tanta violência, escutariam novamente a canção do galo. Acordariam com a natureza linda e encantadoramente mais generosa para quem escolheu as rosas brancas, como adorno do cenário branco, em torno de gigantescos passos alados!
Agradecido a paciência dos raros companheiros que leram a minha história, especialmente a Guaraciaba Perides e a minha fiel amiga Dona Chica rs valeu!
Ass: Ives Vietro


9 comentários:

  1. A magnitude de perdoar e de ser perdoado é a mais bela dádiva humana que o Criador nos legou.
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  2. O amor é a escola onde se formam os guerreiros que se mantêm firmes nas palavras e nos gestos. São aqueles que usam o perdão são aqueles que nunca carregaram o azedume do ódio nem da inveja.
    Uma leitura muito agradável.

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  3. Ponho a voz da personagem na sua voz: "sua história acaba aqui, a minha continuará ao lado da felicidade"... História bem contada. Gostei do que li.
    Abraço

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  4. Maravilhosa história,Ives!! Adorei acompanhar! abração,chica

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  5. Alguém tem que ser a luz... Parabéns,, .Devorei cada linda, esperando sempre o próximo capítulo. me encantou com gosto de quero mais. Parabéns por cada letra, e parabéns por seu coração tão cheio de amor. Edilene Maria*

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  6. Oi, Ives...e o dia amanheceu em paz! estava receosa dos rumos de sua história, mas um final feliz é tudo do que precisamos para construir um mundo mais digno onde o amor vença o ódio e o perdão supere a mágoa. A Senhora de Fátima fez o milagre e rosas brancas no amanhecer de um novo tempo acordarão os galos que cantarão felizes. Muito obrigada pela citação do meu nome...gostei de ler e acompanhar o seu conto repleto de belezas e símbolos.
    Um abraço...continue com novas histórias...semeando leitores,

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  7. Muito belo desfecho.
    A fé no amor e nos homens permitem que as más vontades e os ressentimentos sejam abafados pela força do perdão , único caminho possível para a felicidade.
    Uma história muito inspiradora e muito bem contada.
    xx

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  8. Acabei de ler toda a narrativa.
    Excelente, Ives, literariamente e em conteúdo.
    Parabéns!
    Bjo :)

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  9. Um conto que contorna o romance. Muito bonita a narrativa, Ives. Foi bom acompanhá-lo. Abraço!

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