O entendimento é a luz da tolerância, e ela vem sempre. A
Senhora de Fátima, ao cair da noite enluarada, agiu não só como a governanta do
lar, mas também como a voz da razão. Sabia que o golpe ferira profundo o
marido. Precisaria de muito tato para fazer as mudanças ocorrerem. A herança
maldita, dos animais em busca de novas luzes é constante e não há ser no mundo
mais apropriado a civilizar-se do que o único capaz de amadurecer como as
abelhas. Já na ponta da estrela o sentimento nobre, que visa o bem comum e tem
na sensibilidade o trato com os demais, mas infelizmente na outra ponta há
seres ainda capazes de, agirem exatamente como
irracionais, mas as luzes estão lá dentro, prontas a brilharem rompendo as camadas frias. Sentados lado a lado, aspiravam a fragrância que elevou a condição de amor
a união estabelecida num acordo intimo e sincero.
-Meu marido, saímos da era do sangue. Sei que muitos fazem o
que fazem, mas precisamos nos orientar na palavra divina. Foi um tiro sem
propósito? Uma covardia além do nosso entendimento? Sim, mas a vida recomeça, e
o menino que virou home não pode sujar as mãos. Conheço seu passado, assim como
o Senhor conhece o meu. Fugimos em busca de abrigo, e o sol sempre responde as
minhas orações. Conheço seu olhar desde que as minhas lágrimas se lançaram da
minha alma em busca sua sábia comiseração.
O velho, que nos últimos dias andava com os olhos vermelhos,
colocou-se branco por alguns minutos.
-Esposa delicada, muito sábia. Os meus passos são em busca
da justiça, e não conheço na redondeza quem possa fazê-la. Se você não entende
as misérias humanas e infelizmente são cheias de sangue, é por que a sua índole
inocente não faz ver que a aqui se faz e aqui se paga.
A razão entrou em conflito?
-Não Senhor. Não será pelas mãos do pai que doou tanto amor
a uma família estruturada num futuro extremamente promissor. Veja só que rapaz
a nossa filha conheceu. É hora de fazer a luz brilhar.
-Veremos. Anuiu o Senhor.
Passados alguns dias o menino-homem-guerreiro, herói da
minha fábula, passou a trabalhar como o braço direito do dono da fazenda, palco
da minha humilde e preciosa história, que conta como verdade o preceptor da
família V, como relatado no inicio deste trabalho que vai terminando. Tentei
ser fiel ao caderno de notas que foi passado as minhas mãos por um pessoa que
prefiro deixar anônima. Tudo acaba no dia da folia de reis, quando toda a
fazenda celebrava a festa de Santo Antônio. Ives, que marcou todos as pegadas
do feitor, sabia que passaria no pico distante na hora combinada com o velho.
De tocai e seguro do que faria, a foice em suas mãos não tremeluzia, nem sua
respiração ofegava. De cabeça baixa,
encerrado em seus devaneios herméticos, o feitor contornava a cursa da estrada
sinuosa. O velho, saindo da moita adjacente, interpelou o malfeitor:
-Esta sem armas, covarde, mas lhe darei a chance de olhar
seu algoz.
Ives saiu da outra moita e colocou-se exatamente de frente
ao feitor que passou a tremer como tremem os covardes. Esse se ajoelhou e pediu
clemência.
-Fique frio e coloque-se a rezar.
Ives atirou longe a foice e de um bornal tirou algo reluzente.
O feitor ficou estarrecido com a visão. Era simplesmente o projétil que fora
tirado do corpo do guerreiro.
-Olhe bem. Olhe o sol, a luz, a canção vinda daquele
riachinho, foram seus únicos companheiros em vida. Mas fique tranquilo, sua
história acaba aqui, a minha continuará ao lado da felicidade. Só queria que
você visse nos meus olhos a seiva do perdão que o amor me deu. Não tenho ódio, nem
rancor, e não mancharei a minha família com mais sangue.
Alguém tem que ser a
luz.
O feitor chorou e despediu-se com o semblante aparentemente
arrependido. Maria saiu sorrindo na terceira moita que estava escondida. Queria
sentir se realmente o namorado sentia-se aliviado. E sim, da mesma forma a sua
luz esverdeava-se. Os três se entreolharam e perceberam no caminho as aves e
águas cristalinas exaltando a ação nobre dos que, apesar de não entendem o
sentido de tanta violência, escutariam novamente a canção do galo. Acordariam
com a natureza linda e encantadoramente mais generosa para quem escolheu as
rosas brancas, como adorno do cenário branco, em torno de gigantescos passos
alados!
Agradecido a paciência dos raros companheiros que leram a
minha história, especialmente a Guaraciaba Perides e a minha fiel amiga Dona Chica rs valeu!
Ass: Ives Vietro
A magnitude de perdoar e de ser perdoado é a mais bela dádiva humana que o Criador nos legou.
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O amor é a escola onde se formam os guerreiros que se mantêm firmes nas palavras e nos gestos. São aqueles que usam o perdão são aqueles que nunca carregaram o azedume do ódio nem da inveja.
ResponderExcluirUma leitura muito agradável.
Ponho a voz da personagem na sua voz: "sua história acaba aqui, a minha continuará ao lado da felicidade"... História bem contada. Gostei do que li.
ResponderExcluirAbraço
Maravilhosa história,Ives!! Adorei acompanhar! abração,chica
ResponderExcluirAlguém tem que ser a luz... Parabéns,, .Devorei cada linda, esperando sempre o próximo capítulo. me encantou com gosto de quero mais. Parabéns por cada letra, e parabéns por seu coração tão cheio de amor. Edilene Maria*
ResponderExcluirOi, Ives...e o dia amanheceu em paz! estava receosa dos rumos de sua história, mas um final feliz é tudo do que precisamos para construir um mundo mais digno onde o amor vença o ódio e o perdão supere a mágoa. A Senhora de Fátima fez o milagre e rosas brancas no amanhecer de um novo tempo acordarão os galos que cantarão felizes. Muito obrigada pela citação do meu nome...gostei de ler e acompanhar o seu conto repleto de belezas e símbolos.
ResponderExcluirUm abraço...continue com novas histórias...semeando leitores,
Muito belo desfecho.
ResponderExcluirA fé no amor e nos homens permitem que as más vontades e os ressentimentos sejam abafados pela força do perdão , único caminho possível para a felicidade.
Uma história muito inspiradora e muito bem contada.
xx
Acabei de ler toda a narrativa.
ResponderExcluirExcelente, Ives, literariamente e em conteúdo.
Parabéns!
Bjo :)
Um conto que contorna o romance. Muito bonita a narrativa, Ives. Foi bom acompanhá-lo. Abraço!
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