sábado, 8 de julho de 2017

Menina

Lembro-me bem da menina que esteve a minha frente durante alguns meses num passado não muito remoto. Antes de vê-la pela câmera da internet imaginei que se tratava se uma pessoa misteriosa, e que por não querer ceder informações sobre si tão facilmente, fazia uma espécie de jogo comigo. Atribulado pela cidade grande, pelos vícios que não enxergamos mais, não podia acreditar que ainda existisse algo singelo assim. A menina que a principio mal respondia as minhas indagações, passou emitir alguns grunhidos tímidos. Sua face rosada dava aos olhos azuis um espelhado divino, e sua boca naturalmente amorangada ornamentava um semblante inesquecível. Mas ela teve que me atrair ao seu universo para que eu pudesse entendê-la melhor, pois eu não podia suspeitar que tal menina linda pudesse ser tão inocente dentro de um casulo extremamente rico. Quando pedia a ela que me mostrasse a fazenda onde morava ficava aturdido ao ver as galinhas, porcos, vacas...! A casa que morava a família toda era grande. Panelas dependuradas no telhado davam um charme especial a cozinha muito requintada. Fazia queijo para vender, e quando a vi colocar as mãos na massa para preparar tão iguaria derivada do leite fiquei extasiado ao ver o esmero da menina delicada. Suas mãos de pele grossa representavam a força da mulher sertaneja; Seus pés eram rachados, cujas unhas jamais haviam sido pintadas. Ela trabalhava muito e o pouco tempo que sobrava ficava mostrando a mim a rotina de uma vida feliz, sem as malícias próprias de quem se acostuma à pobreza de conviver com pequenos ou grandes delitos. O que eu sabia? O que eu havia lido não representava nada diante daquele silencio da menina ao olhar-me pela câmera sem mal abrir a boca. Dizia-lhe apenas para nunca deixar de ser a beleza que era, e que não permitisse jamais que alguém a destratasse. Após alguns meses descobri que a menina começou a nutrir por mim um afeto diferente, de quem queria mais do que a simples amizade. Olhei-me no espelho, e ao refletir profundamente, resolvi me distanciar um pouco da menina. Não podia tocar naquela inocência. Apesar de ser tão bela, e apesar de atrair-me àquele universo lindo, não pude ir adiante. Descobri há pouco tempo que ela se casou com um menino de sua terra natal. Fiquei muito feliz ao saber que continua a fazer queijos e a seguir a rotina de uma paz que só existe dentro de casulos gigantescos, com a riqueza da simplicidade. Ives vietro

7 comentários:

  1. Na simplicidade constrói-se grandes e marcantes afetos. O seu conto marcou profundamente "o respeito" pela individualidade. Excelente.
    Abraço.

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  2. IVES: Bom dia! Muito bom o conto. Bem único e carismático.Abraços e bons dias!

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  3. Oi, Ives!

    Delicadeza, descrições meigas... Adorei! Quase consigo visualizar e, inclusive, encontrar abrigo em algumas emoções descritas!

    Beijos, boa semana! =)

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  4. Olá Ives,
    Que conto interessante...
    O mundo virtual tem suas surpresas,
    mistérios, encantos e envolvimentos.
    Uns seguem adiante, outros se dissipam.
    Beijos!

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  5. Olá Ives
    Neste seu conto extraordinário ficou evidente que ainda existem pessoas tão íntegras que são capazes de se afastar para preservar uma inocência tão rara nestes dias tão conturbados;
    O envolvimento que nos propiciou com seus encantamentos puros e espontâneos é de uma beleza ímpar. Parabéns amigo
    Um abraço e uma feliz semana

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  6. Gostei de ler.
    Tem coisas que é melhor deixar seguir o curso delas.
    Boa entrada de semana.
    Abçs

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  7. Que lindo conto! E tão real ao mesmo tempo meio raro. Vê-se o respeito de um ser para com o outro, e isso hoje...? Também a vida da menina é de se admirar.
    Parabéns, Yves!
    bjs, felizes dias pra você.

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