Uma gota de chuva teimosa deslizada pela janela de Maria,
desenhava em seu interior as imagens do futuro. O campo se tornava extraordinariamente
poético nos dias de chuva. O colete azul de lã que usava aquecia a sua pele,
mas o seu coração ainda solitário ansiava por flores. O sonho é a continuação
do projeto na Terra. As ondas que vão e vem e tocam na sinuosidade das formas
concretas. As mãos da mãe, depois as dela, depois as dos filhos, netos...! A
prole deveria ser da cor daquele dia dourado, e só baseado em aromas delicados ao
amor cresceria. No horizonte um céu pincelado pelos anjos desbotava as matizes
irisados, logo o sol romperia a chuva. Era sábado, dia do baile na fazenda. Em
seu foro íntimo lembrava com carinho da palavra do pai, que favorecia exatamente
aquela que ela menos se inclinava. Apesar de o feitor ser de traços brutos era
de família abastada, parente do fazendeiro. A muitos o dinheiro e a fortuna são
sinônimos de riqueza, e a prole, mesmo virtuosa, não tem sentido na cabeça dos
mais materialistas, porém foi e sempre será, a luz que abre os poros da
verdade. Maria fora criada para ser mãe. “Menina prendada, como diziam”. Herdou
da terra a mesma flor que germinava em seu coração. A tendência para o amor em
sua razão pulula aparentemente de forma mística, contudo são as válvulas de
outras vidas que deixam escoarem no pensamento a admiração pelo firmamento. O
sol fazia sua parte, acordava os mais adormecidos, enraizava-se na mantilha das
peles ilusórias, crescia o calor que expande o universo todo, dentro de um
olhar de admiração na terra de chão iluminado. Foi cantando que Maria preparou
um suculento e reforçado almoço para o pai, ele que sempre a acompanhava ao
baile, não podia ficar muito cansado, pois dependia de sua energia a ficar até
a madrugada dançando e se divertindo.
Do outro lado da fazenda, Ives preparava sua roupa, que
nesta noite, depois de tanto chorar por não participar do baile, poderia
desfilar o terno de listras que comprara de um judeu que visitava a fazenda uma
vez por mês. Tomou banho, e passou também um perfume almiscarado, raro nesses tempos
de dinheiro escasso. Lavou o alazão, lustrou-lhe os pelos, e quando o montou
parecia de fato um grande cavalheiro. Se não fosse pela fome que assolava o seu
estomago estaria realmente perfeito, mas preferiu comprar o que o fazendeiro,
de modo oculto, impingira nos seus desejos! Antes de ir ao baile, Ives tomou um
generoso gole de pinga do barril do irmão, e saiu em disparada. À distância
ouvia o som da sanfona que anima, e agitava de modas sertanejas, o grandioso
evento de sábado. Um sorriso prateado adornou seu rosto quando avistou a
conhecida charrete da família de Maria. “Hoje eu conquisto aquele valoroso
coração”. A tenda de lona armada não era
das maiores, nem das melhore, mas em terra seca a orquídea é o capim. Todos
ficaram estáticos quando viram o galante cavalheiro adentrando ao recinto. Apenas
Maria conseguia distinguir sua espádua. Ela que dançava com o feitor, não pode
deixar de notar nos olhos do “menino” certo ar de melancolia. Ives sabia que
não podia interromper a dança, e que deveria esperar a sanfona reinicia para
ousar chegar até Maria. Antes deveria cumprimentar o pai e pedir a benção. Este
assentindo disse que poderiam dançar, porém a mão de Maria poderia ter dono já.
Ives não se deixou abater e compro a prenda mais cara do baile, uma flor de
cinco mil reias. Gastara todas as suas economias com o foco no amor, no pujante
amor. Maria mal se sentou ao lado do pai e o menino guerreiro estava ao seu
lado oferecendo suas cordiais mãos para uma dança. Ela sorriu prateado também.
O doce aroma contagiou de sortilégios o espírito de Maria, que deslumbrava no
amor um futuro seguro. Dançaram apenas uma música, e os dois se separaram por
um súbito silêncio. Ives caiu no chão e o sangue escoado na terra dera à cena a
devida realidade. Ives acabava de ser assassinado?
Surpreendente ! uma simples dança, um simples sinal de possibilidade seria um fim fatal para um sonho de amor? Dói o coração se assim for , como uma flor pisada por um coração insensível. Nas mãos do Criador salvar a criatura, para que a vida possa ter sentido.
ResponderExcluirUm abraaço
Nossa, que revés à tragédia! Talvez o sangue fosse de Maria? Abraço Ives.
ResponderExcluirSensacional,Ives! És demais mesmo!Adorei! abração,chica
ResponderExcluir